1. INTRODUÇÃO
Na data de 20.09.2007, o Superior Tribunal de Justiça proferiu interessante decisão acerca da possibilidade de crédito, em situação bastante comum na atual Legislação Tributária Brasileira atinente ao ICMS.
Genericamente, refere-se o julgado à possibilidade de tomar crédito na entrada de mercadorias quando há um dispositivo legal prevendo esta impossibilidade e condicionando a manutenção de um benefício fiscal à observância desta vedação.
O caso específico é a vedação de aproveitamento de quaisquer créditos para a concessão de redução de base de cálculo de ICMS na prestação de serviços de radiochamada.
2. CONCEITO
Preliminarmente, para fins de conceituação do objeto de estudo desta matéria, pode-se citar José Eduardo Soares de Melo:
“Serviço Especial de Radiochamada (SER) constitui serviço de telecomunicações destinado a transmitir sinais de chamadas unidirecionais, especialmente codificados e endereçados a assinantes de serviço, objetivando transmitir sinais a um determinado usuário, utilizando-se de aparelho de recado específico (pager ou bip), em decorrência de celebração de negócio jurídico oneroso” (MELO, José Eduardo Soares de, e PAULSEN, Leandro, Impostos Federais, Estaduais e Municipais, 3ª Edição, Livraria do Advogado Editora, 2007, pg. 224)
3. HISTÓRICO DOS CONVÊNIOS
O Convênio ICMS nº 115/1996, publicado no DOU de 18 e 20.12.1996, objeto de análise do julgado do STJ a ser exposto nesta matéria, autorizava os Estados e o DF a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas prestações de serviços de radiochamada.
Este Convênio foi revogado pelo de nº 47/1999, que por sua vez foi revogado pelo atual Convênio ICMS que regulamenta o benefício, que é o nº 86/1999.
A redação do Convênio original, o nº 115/1996, que gerou toda a polêmica a ser exposta, foi a seguinte:
“Cláusula primeira - Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas prestações de serviços de radiochamada, de forma que a carga tributária seja equivalente ao percentual de 5% (cinco por cento)
Cláusula segunda - A redução poderá ser aplicada, opcionalmente, pelo contribuinte, em substituição ao sistema de tributação previsto na legislação estadual.
Parágrafo único - O contribuinte que optar pelo benefício previsto na cláusula anterior não poderá utilizar quaisquer outros créditos ou benefício fiscais”. (grifo nosso)
Pode-se perceber, contudo, que a mesma redação continua em vigor no bojo do texto do atual Convênio ICMS nº 86/1999:
“Cláusula primeira - Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas prestações de serviço de radiochamada, de tal forma que a incidência do imposto resulte no percentual mínimo de:
I - 5% (cinco por cento), até 31 de julho de 2002;
II - 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), de 1º de agosto de 2002 a 31 de dezembro de 2002;
III - 10% (dez por cento), a partir de 1º de janeiro de 2003.
§ 1º - A utilização do benefício previsto nesta cláusula observará, ainda, o seguinte:
I - será aplicada, opcionalmente, pelo contribuinte, em substituição ao sistema de tributação previsto na legislação estadual;
II - o contribuinte que optar pelo benefício não poderá utilizar quaisquer créditos fiscais; (grifo nosso)
§ 2º - A opção a que se referem os incisos I e II do parágrafo anterior será feita para cada ano-civil”.
4. DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A decisão do STJ basicamente enuncia que empresa com atividades distintas encontra-se sujeita a regras tributárias diferentes.
Uma empresa de comunicações, que realizava serviços de radiochamada e comercialização e locação de pagers enfrentava uma batalha judicial com o Estado do Rio de Janeiro, que insistia em não permitir o crédito de ICMS em relação à aquisição dos aparelhos para revenda, pela aplicação da clausula do Convênio que proíbe o aproveitamento de quaisquer outros créditos para a concessão do benefício fiscal da redução da base de cálculo.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que o benefício da redução da base de cálculo do ICMS, previsto no Convênio nº 115/1996, aplica-se apenas aos serviços de radiochamada, de modo que somente sobre esses serviços o contribuinte fica proibido de aproveitar os créditos respectivos, não tendo incidência a vedação nas operações de venda de aparelhos utilizados no serviço.
O Estado do Rio de Janeiro alegou que houve a violação do parágrafo único da referida cláusula do Convênio ICMS nº 115/1996, independentemente do crédito ser relativo a outra operação que não a de prestação de serviços de radiochamada.
A decisão do processo pelo STJ na data de 20.09.2007 consagrou que, neste caso, uma vedação total de utilização de quaisquer créditos de ICMS, como pretendia o Estado do Rio de Janeiro, não alcançaria os fins buscados pela norma.
Segue, na íntegra, o voto da Relatora do processo, a Ministra Eliana Calmon:
“RECURSO ESPECIAL nº 805.795 - RJ (2005D 0211548-4)
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - CONVÊNIO ICMS Nº 115/96 - REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS NO SERVIÇO DE RADIOCHAMADA - VEDAÇÃO À UTILIZAÇÃO DE CRÉDITOS - NORMA QUE DEVE SER INTERPRETADA À LUZ DO OBJETIVO BUSCADO PELO LEGISLADOR.
1. O Convênio ICMS nº 115/96 foi elaborado com o escopo de autorizar os Estados e o DF a conceder redução de base de cálculo do ICMS tão-somente nas prestações de serviços de radiochamada.
2. A vedação à utilização de quaisquer créditos de ICMS, tal como pretendido pelo recorrente, foge ao alcance dos fins buscados pela norma, implicando, ainda, em violação ao princípio da não-cumulatividade.
3. Recurso especial não provido.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): - Conforme depreende-se da sentença proferida pelo Juízo de 1º Grau, a recorrida presta serviços de radiochamada e atua na comercialização e na locação de aparelhos de pagers (bips), sendo, portanto, contribuinte de ICMS.
Dada a peculiaridade do tema, faz-se oportuno tecer alguns comentários sobre as mencionadas atividades.
Roque Antonio Carraza, em obra específica sobre o ICMS, preceitua que:
O paging é um serviço de radiochamada que exige, para implementar-se, que seu usuário porte consigo um aparelho de recados (o pager ou bip) que recebe, de uma central, sinais codificados. (...) É um serviço de comunicações típico, perfeitamente tributável por meio de ICMS. (ICMS. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 194/195)
Márcia de Freitas Castro Leme e Amal Ibrahim Nasrallah, diferenciando as hipóteses de incidência do ICMS e do ISS, preceituam que:
O serviço de Paging é um serviço de radiochamada, destinado a transmitir sinais de chamada especialmente codificados, endereçados aos assinantes do serviço, utilizando-se do conhecido pager ou bip (aparelho de recados), mediante a contratação onerosa entre a operadora do serviço e o assinante. Inicialmente, cumpre esclarecer que o escopo deste trabalho é a análise da prestação do serviço de radiochamada (Paging), e não a aquisição e/ou comercialização do aparelho (pager), sendo, assim, duas operações totalmente distintas. (...)
É bem verdade que para haver a comunicação, neste caso, imprescindível é o aparelho (pager). Todavia, a forma jurídica utilizada para a posse desse bem, que poderá ser substituído a qualquer tempo, nada tem a ver com a comunicação. (...)
Sendo a prestação do serviço de radiochamada serviço destinado a possibilitar uma comunicação entre pessoas através da transmissão de sinais de chamada, especialmente codificados, mediante contraprestação onerosa, conclui-se que é um serviço especial de telecomunicações, sujeito, portanto, à incidência do ICMS, nos termos do art. 155, II, da CF/88.
(Revista de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 1996. P. 230/231)
Observa-se, portanto, que embora a prestação de serviço de radiochamada seja feita por meio da utilização do aparelho conhecido como pager, deflui-se que as atividades desempenhadas pela recorrida possuem naturezas distintas, estando sujeitas, portanto, a regras tributárias diferentes.
A fim de elucidar o tema, faz-se oportuno colacionar o texto do Convênio ICMS nº 115/96:
CONVÊNIO ICMS Nº 115/96
Autoriza os Estados e o DF a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas prestações de serviços de radiochamada.
O Ministro de Estado da Fazenda e os Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, na 84ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária, realizada em Belém, PA, no dia 13 de dezembro de 1996, tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, resolvem celebrar o seguinte
CONVÊNIO:
Cláusula primeira - Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas prestações de serviços de radiochamada, de forma que a carga tributária seja equivalente ao percentual de 5% (cinco por cento)
Cláusula segunda - A redução poderá ser aplicada, opcionalmente, pelo contribuinte, em substituição ao sistema de tributação previsto na legislação estadual.
Parágrafo único - O contribuinte que optar pelo benefício previsto na cláusula anterior não poderá utilizar quaisquer outros créditos ou benefícios fiscais.
Cláusula terceira - Fica o Estado do Rio de Janeiro autorizado a prorrogar, até 31 de janeiro de 1997, o prazo estabelecido no item 1, do parágrafo único, da cláusula primeira do Convênio ICMS nº 27/96, de 22 de março de 1996.
Cláusula quarta - Este Convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional, produzindo efeitos até 31 de março de 1998.
O Estado do Rio de Janeiro defende a tese de que a recorrida, ao optar pela redução da base de cálculo do ICMS, não poderia aproveitar quaisquer créditos fiscais da exação, sejam aqueles relativos ao serviço de radiochamada, seja qualquer crédito oriundo do ICMS, independentemente de ter sido gerado pela venda dos aparelhos ou pelos serviços em si.
Entendo que o parágrafo único da cláusula segunda do Convênio nº 115/96 não pode ser interpretado com tamanha elasticidade, sob pena de modificar os fins buscados com a realização do convênio.
Caio Mário da Silva Pereira, analisando os métodos utilizados na interpretação da norma jurídica, preceitua que:
Nem sempre satisfará o manuseio do elemento gramatical. Então socorre-se o intérprete da chamada interpretação lógica ou racional. É já um processo mais complexo, tendo em vista mais do que a disposição na sua expressão vocabular, porém, na comparação com outras disposições existentes, na razão que ditou o preceito, na transformação por que passou o direito com a promulgação da lei, nas condições ambientes que a inspiraram. Pesquisa-se a razão da norma e verifica-se o que se pretendeu obter com a sua votação. (...) A lei tem em vista um objetivo e se justifica por uma razão; (Instituições de Direito Civil. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 192/193)
Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo enuncia que:
A interpretação de um artigo de lei requer, pois, que se tenha em conta o objetivo da lei, fazendo-se a interpretação frente aos demais dispositivos. (Parte Geral do Código Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 102)
Assim, verifica-se que o convênio ora examinado foi elaborado com o escopo de autorizar os Estados e o DF a conceder redução de base de cálculo do ICMS tão-somente nas prestações de serviços de radiochamada. Logo, observa-se que vedar a utilização de quaisquer créditos de ICMS, tal como pretendido pelo recorrente, foge ao alcance dos fins buscados pela norma.
Ademais, deflui-se que a recorrida, além de prestar serviços de radiochamada, realiza, ainda, a comercialização dos aparelhos (pagers), atividade que também constitui fato gerador do ICMS. Depreende-se, portanto, que, caso se entendesse que o contribuinte, ao optar pela redução da base de cálculo do ICMS devido nos serviços de radiochamada, estaria abrindo mão de quaisquer créditos ou benefícios fiscais da mencionada exação que não estivessem relacionados com o citado serviço, concluiria-se que o princípio da não-cumulatividade cairia por terra, fato que implicaria em ofensa ao art. 155, § 2º, I, da Constituição da República.
José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo, em obra específica sobre o tema da não-cumulatividade, discorrem que:
Tomando como parâmetro a classificação de Celso Bastos e Carlos Ayres de Brito, podemos concluir com segurança que o princípio da não-cumulatividade é norma de aplicação, eventualmente regulamentável, e que possui eficácia plena, porquanto não depende de qualquer outro comando de hierarquia inferior para emanar seus efeitos. (...)
Há, pois, alguma congruência entre os princípios da igualdade e da capacidade contributiva com o princípio da não-cumulatividade do ICMS? Evidentemente que há. O objetivo último da produção e circulação de mercadorias e prestações de serviços é o consumidor final. (...)
No âmbito estreito de tributos como ICMS, IPI, onde o gravame tributário é normalmente incorporado no preço em cada etapa, até atingir o consumidor final dos bens e serviços, é induvidoso que sem o respeito à não-cumulatividade o primado da igualdade e da capacidade contributiva serão violados. (A Não-Cumulatividade Tributária. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2004. P. 107/116)
Logo, observa-se que a norma prevista no parágrafo único da cláusula segunda do Convênio nº 115/96 não detém o alcance pretendido pelo recorrente, devendo, portanto, a vedação da utilização de créditos estar relacionada apenas com o ICMS devido nas operações de radiochamada.
Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.”
Fundamentação Legal: Já citados no texto.
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