1. INTRODUÇÃO
Uma das questões que mais gera controvérsias no âmbito da esfera de incidência dos tributos é o tratamento dispensado ao chamado programa de computador ou “software”.
Muito ainda se discute sobre a incidência de ISS ou ICMS sobre as operações relativas ao mesmo.
Assim, por meio deste estudo, enseja-se abordar as questões mais discutidas, apontando entendimentos na esfera doutrinária, jurisprudencial, acerca da questão, para que assim o contribuinte possa conhecer um pouco mais sobre este assunto muito debatido e causador de tantas conclusões conflitantes.
2. CATEGORIAS DE “SOFTWARE”
Preliminarmente, para que se possa iniciar um estudo sobre a tributação do “software”, é necessário que o mesmo seja dividido em 2 (duas) categorias:
a) “software” “sob medida”, “específico” ou “personalizado” é aquele elaborado sob encomenda do usuário final, seja este pessoa física ou jurídica, contanto que para seu uso próprio;
b) “software” “produto” ou “de prateleira” é aquele elaborado para comercialização genérica e encontrável em estoque, ou seja, pré-elaborado para venda normal ao mercado a qualquer usuário.
Tais definições serão utilizadas ao longo desta matéria, uma vez que a Legislação Tributária, em especial a do Estado de São Paulo, assim os distingue.
3. LEGISLAÇÃO SOBRE “SOFTWARE”
Segue a exposição de Leis, Decretos e Respostas à Consulta sobre o tema “software”.
3.1 - Lei nº 9.609/1998
A Lei nº 9.609, de 19.02.1998 (DOU de 20.02.1998), conhecida como Lei do Programa de Computador - Propriedade Intelectual, ou Lei do “Software” dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e sua comercialização no País.
O artigo 1º desta conceitua o “software” da seguinte forma:
“Art. 1º - Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”
Esta lei, em relação à tributação, traz a primeira regra no bojo de seu artigo 9º:
“Art. 9º - O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.
Parágrafo único - Na hipótese de eventual inexistência do contrato referido no caput deste artigo, o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu uso.”
Pelo exposto pode-se verificar que a Lei do “Software” leva ao entendimento que todo programa de computador para que possa ser usado será objeto de contrato de licença. E a cessão de uso é fato gerador de ISS como poderá ser visto na sequência desta matéria.
3.2 - Lei Complementar nº 116/2003
A Lei Complementar nº 116/2003 elenca no seu rol de tributação do ISS os seguintes itens:
“1 - Serviços de informática e congêneres.
1.01 - Análise e desenvolvimento de sistemas.
1.02 - Programação.
1.03 - Processamento de dados e congêneres.
1.04 - Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos.
1.05 - Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
1.06 - Assessoria e consultoria em informática.
1.07 - Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados.
1.08 - Planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas.”
Com relação à elaboração de programas de computador, entendemos ser pacífica a questão no âmbito de incidência por seu perfeito enquadramento no conceito de serviço, portanto objeto de incidência do ISS. Como será exposto na sequência desta matéria, o “software” elaborado é feito sob encomenda específica de um determinado usuário, constituindo base de cálculo de ISS o serviço cobrado para a confecção do mesmo.
A licença ou cessão de direito de uso de programas de computador constitui base de cálculo do ISS, sendo que esta circunstância resta clara no texto da Lei Complementar.
4. ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS
Insurgem opiniões no âmbito doutrinário defendendo a incidência do ISS apenas. Tal corrente dispõe dos seguintes argumentos:
a) “o ICMS só pode incidir sobre a realização de operação mercantil como fim em si mesma não sobre operação que se constitua tão somente como um meio para a obtenção de outra finalidade;
b) a entrega de bem corpóreo em decorrência de uma cessão de direitos não se configura em hipótese de incidência do ICMS;
c) ceder direitos pressupõe a realização de atividades acessoriais (atividades-meio) como a distribuição de “softwares” através de disquetes, cd-rom, etc. (MANGIERI, Francisco Ramos; ISS Teoria. Prática e Questões Polêmicas; 3ª Edição; Edipró; São Paulo; 2003, p.144).
Neste sentido, cita-se o entendimento de José Soares de Melo:
“Este bem ‘digital’ não consubstancia as características de âmbito legal (artigo 191 do Código Comercial), e constitucional (artigo 155, § 3º) de mercadoria, além do que o respectivo ‘software’ representa um produto intelectual, objeto de cessão de direitos, de distinta natureza jurídica, o que tornaria imprescindível alteração normativa (MELO, José Soares de; ICMS Teoria e Prática; 7ª Edição; Dialética; São Paulo; 2004; p. 18)”.
“Devemos ter em mente que nem sempre a entrega de um bem a terceiro tipifica uma operação mercantil. É preciso que se identifique, através da análise meticulosa do contrato, a essência do negócio realizado.” (idem, P. 143)
Na mesma linha, o entendimento de Francisco Ramos Mangieri:
“Não há, de forma alguma, venda ou revenda de “software”, as empresas do setor não põem em mãos de outrem disquetes (o produto físico). Apenas cedem o direito de uso da obra intelectual materializada no instrumento de gravação. Praticam, pois, cessões de direitos, isto é, dá-se a transferência de bens imateriais ou incorpóreos; jamais circulação de mercadorias. É impossível divulgar a obra intelectual de que se trata sem que ela passe pela gravação em disquetes (MANGIERI, Francisco Ramos; ISS Teoria. Prática e Questões Polêmicas; 3ª Edição; Edipró; São Paulo; 2003 p.144).”
5. JURISPRUDÊNCIAS
O STJ exarou seu entendimento como pode ser verificado na redação do RMS 5.934-RJ:
“Os programas de computação, feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme são mercadorias de livre comercialização no mercado passíveis de incidência do ICMS. Já os programas elaborados especialmente para certo usuário exprimem verdadeira prestação de serviço sujeita a ISS”.
Seguem, para conhecimento de nossos Assinantes, outras jurisprudências no mesmo sentido:
RE 191732/SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 04.05.1999 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: DJ DATA-18.06.1999 PP-00024 EMENT VOL-01955-03 PP-00433
EMENTA: ICMS: incidência: comercialização, mediante oferta ao público, de fitas para “vídeo-cassete” gravadas em série. Tal como sucede com relação ao computadores (cf. RE 176626, Pertence, 11.12.98), a fita de vídeo pode ser o exemplar de uma obra oferecido ao público em geral “e nesse caso não seria lícito negar-lhe o qualificativo de mercadoria”, ou o produto final de um serviço realizado sob encomenda, para atender à necessidade específica de determinado consumidor, hipótese em que se sujeita à competência tributária dos Municípios. Se há de fato, comercialização de filmes para “vídeo-cassete”, não se caracteriza, para fins de incidência do ISS municipal, a prestação de serviços que se realiza sob encomenda com a entrega do serviço ou do seu produto e não com sua oferta ao público consumidor.
Observação
Votação: unânime.
Resultado: conhecido e provido.
RE 199464/SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO
Julgamento: 02.03.1999 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: DJ DATA-30.04.99 PP-00023 EMENT VOL-01948-02 PP-00307
EMENTA: TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (“SOFTWARE”). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF a distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado “de prateleira”, e o licenciamento ou cessão do direito de uso de “software”. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS. Recurso conhecido e provido.
Observação
Votação: Unânime.
Resultado: Conhecido e provido.
RE 176626 / SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 10.11.1998 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: DJ DATA-11.12.98 PP-00010 EMENT VOL-01935-02 PP-00305 RTJ VOL-00168-01 PP-00305
EMENTA: I. Recurso extraordinário : prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual “não foram opostos embargos declaratórios”. Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “ ;licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” “matéria exclusiva da lide”, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.
Observação
Votação: unânime.
Resultado: não conhecido.
6. CONCLUSÃO
Neste sentido, em virtude da atuação preventiva da consultoria, entende-se que o contribuinte ao operar com programa de computador deve delimitar muito bem se o seu produto trata-se de “software” personalizado ou não-personalizado, uma vez que a incidência do ISS ou ICMS dependerá deste fator.
Caso opte por adotar outro entendimento, como o defendido por alguns doutrinadores, recomenda-se, preliminarmente, que recorra às medidas judiciais preventivas cabíveis, uma vez que o Fisco Estadual em âmbito nacional adota posição favorável à cobrança de ICMS, exigindo os valores relativos ao mesmo em eventual ação fiscal.
Fundamentação Legal: Já citados no texto.
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